Um amigo comum chamado Anjo Adriane nos apresentou.
Elogiou-me sem pudores, fato raro nas turmas de antigamente. Era
normal que, as meninas tivessem ciúmes e/ou inveja de novas integrantes na turma.
Ela era diferente. Foi amizade à primeira vista!
Sensitiva, divertida, leve e inteligente, tornou-se a melhor
amiga por décadas. Muita cumplicidade. Segredamos o primeiro beijo na boca de
nossas vidas... e tantos outros segredos. Vínculo forte. Quantas noites lendo, conversando
e estudando juntas. Madrugadas. Muitas madrugadas. Porres e danças. Celebrações
e andanças. Bailinhos. Formaturas. Casamento. Filho. Afilhado. Carreira. Trabalho...
Tudo dentro dos conformes, meninas de família.
Sabe aquela pessoa que sempre tem um ombro para a gente se
escorar e o dom da escuta? Aquela que sabe falar sem criticar? A que sabe ouvir
sem interromper? Amizade porto seguro. Amiga que sabe também, apenas ficar ao
lado, sem falar e muitas vezes sem ouvir. Saudade deste silêncio. Um silêncio de
décadas. Um silêncio que cala, porque tudo o que vivemos reverbera gritando em
nossos poros. Sempre fomos assim. Uma o apoio da outra. Temos a âncora da
amizade, no coração.
Faz 4 anos que peço por algo que seja apenas nosso. Só nosso. Sem
custo. Em casa mesmo. Na intimidade da casa. Pés descalços ou de pantufas. Cabelos
desalinhados, sem maquiagem... sem máscara. Saudade do tomate que madurou no
tempo, fora da geladeira, cortado ao meio, com uma pitada de sal. Vontade de comer,
em pé na pia mesmo. Sem botar mesa. Sem toalha ou talheres. Tomate cru com sal,
como nos velhos tempos.
“Um dia sairemos para comemorar o nosso aniversário”, ela diz
(há quatro anos não comemoramos em casa. Só nós duas) “Vamos a um bom restaurante....
é por minha conta...” ela diz. Respondo: “Não quero que seja assim, impessoal.”
Ela não entende. Estranho... ela não entende. Tínhamos um tempo que era só
nosso.
Ela mudou. Diferente de mim ela não tem mais vontade que seja
assim... ela mudou. Cada ano uma desculpa. A casa precisa de manutenção.... Estudando
para concurso. Trabalho. Muito trabalho... Tenho saudade
das noites que passávamos juntas dando risada comendo NhaBenta.... A última que
comemos juntas foi em 2018.
Ela sabe que me recuso falar pelo WhatsApp. Quando falamos é
SEMPRE por telefone. A moda antiga. Ouvindo as pausas. A respiração...
É sempre uma alegria conversar com ela. Hoje foi diferente.
Para a minha surpresa, ela ligou para reclamar... 1.“a sua casa
não fica há 5 minutos do aeroporto. Tem que dar a volta... é muito mais” Pensei
e não falei: “Então tá. Que sejam 15 minutos....” O QUE SÃO 15 MINUTOS PARA UMA
AMIZADE DE 50 ANOS.... ! 2.“Tive que gastar trinta reais para o motoboy pegar
os quatro convites para o cinema” O QUE SÃO 30 REAIS PARA UMA AMIZADE DE 50
ANOS.... 3. “Você não disse que os convites são válidos para 2 semanas? Por que não está mais no Reserva Cultural? Eu não
sabia que os convites são somente para as sessões 2ª, 3ª ou 4ª”. Novamente,
pensei e não falei: “Estou enlutada. O convite era para assistir ao filme do ator
amigo que morreu... O QUE IMPORTA SE O CONVITE NÃO É PARA O FINAL DE SEMANA.
Assistir a este filme é um ato de amor. Um tributo ao amigo ator que morreu
antes da estreia de seu filme. O que são duas horas no cinema para homenagear
um amigo de décadas que morreu!” Só ouvi e pensei. Tentei argumentar, mas
desisti. Há uma semana atras ela havia falado as mesmas coisas... Talvez, não
deveria ter oferecido os ingressos, pensei. A minha amiga ligou para falar e não para
ouvir. A minha amiga me ligou apenas para me criticar. Hoje caiu a ficha...
Nestes últimos anos, sempre partiu de mim todas as aproximações.
Como se eu fosse uma ‘desocupada’ e ela sempre vendo, se em sua agenda, tinha
um tempo para a nossa amizade. “Sem cobranças, por favor sem cobranças. Amizade
não pode haver cobranças”. Ela dizia.
Tenho observado que, envelhecer bem, é uma sabedoria.
Envelhecer bem é para poucos. Exige serenidade.
Preservar amigos antigos é conviver com a lembrança de um
passado.
E isso não é fácil. Encarar o passado é para os fortes.
O amigo antigo revela por si, um lugar onde os sonhos, beleza e a
saúde estavam presentes. Permanecer com as amizades antigas é ter que,
necessariamente deixar o orgulho de lado. É saber que o tempo é implacável.
Sei que muito do que sonhamos e não realizamos, pode trazer
infelicidade, vergonha e frustração. Para muitos envelhecer sem o patrimônio desejado,
sem a saúde almejada, sem o casamento e os filhos idealizados, pode ser amargo.
A frustração torna a velhice amarga.
Creio, no entanto que, o afeto deve superar os dissabores. Penso
que, o que deve ficar na memória é o frescor da juventude. As risadas, brincadeiras,
peraltices, ousadias e sandices.
Um verdadeiro amigo de infância consegue, se assim quiser, sentir
nos dias atuais, o mesmo frescor do passado. Anula ruídos e diferenças no
pensar em política, religião e costumes.
O amigo de verdade, tem o poder de te levantar, ao relembra o
que viveu com você, porque é testemunha de suas proezas. Basta alimentar a amizade,
porque este passado, tem o poder de abastecer o presente. É tão forte que irá
impulsioná-lo a acreditar que, apesar de tudo, de não ter tido a vida que
sonhou, valeu a pena chegar até aqui.
Os amigos de infância são o combustível para a
velhice. Sempre lembram com afeto de algo que você fez por ele ou ele por
você. Coisas que muitas vezes esquecemos ou que inconscientemente boicotamos de
nós mesmos.
Pode acontecer que este amigo erre a mão e coloque tudo a
perder.
De repente pode acontecer que o alto nível de frustração do
amigo não o permite reservar aquela amizade do passado. Não é nada pessoal.
É que você, pode retratar, à pessoa frustrada, tudo aquilo que ela
poderia ter sido e não foi. O amigo cego pela amargura da vida não se permite
ser feliz. Não se permite ser amado pelo amigo. Nesta hora a amizade murcha e
morre. Isso acontece. De repente. E não há o que se possa fazer. Não há do que se
lamentar. Acabou. Neste caso, afaste-se e recorde com afeto e sem mágoa.
A Chamada Amizade Porto Seguro é tão forte que mesmo sem o amigo
é capaz de ser resgatada na solidão do coração de quem a viveu.
Está ancorada no coração. É um patrimônio eterno. (Crys
Fontana. 05 de Setembro de 2022)
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